Ir ao cinema para ver um filme preto e branco e mudo, enquanto desembarcamos de um mundo tão colorido e barulhento parece uma provocação, mas, para quem se deixa transportar àquele universo tão distante e agradável, será improvável não sentir vontade de ficar mais uns dias por lá.
Para a geração Youtube, onde a duração máxima de um filme tem de ser dois minutos, o choque deve ser intenso. A constatação da estranheza causada pela proposta da película é a escassa quantidade de espectadores. Ao final dos trailers a sala é tomada por um silêncio ensurdecedor, como diria Nelson Rodrigues. "Seria esse o tal do silêncio que precede o esporro?", pensei na hora. Rappa e Nelson Rodrigues ao mesmo tempo. E o filme nem tinha começado.
Onde estão as cores? Os efeitos sonoros estrondosos? Os cortes rápidos de edição? A correria da câmera? Só temos o cinema à nossa frente. O cinema puro. Sem artifícios. Aquele que já tínhamos esquecido que um dia já existiu. Só a essência. Uma boa história enlatada na mais absoluta ausência de referencias modernas. É como se em pleno 2012 Spielberg, Almodôvar, Woddy Allen, Paul Haggis, Inarritú e até mesmo Michael Bay nunca tivessem existido e a contribuição deles para a sétima arte fosse completamente dispensável.
Talvez toda essa magia e reflexão proporcionada pelos anos 30 que o filme traz na mala seja uma ironia. O filme ganhou Oscar, o que levanta uma questão: por que essa reverência ao passado? Woddy Allen discute isso no filme "Meia Noite em Paris". O passado é sempre melhor que o presente e todos os habitantes do presente (principalmente os artistas ou metidos a artista) tem a mesma opinião. Se pudéssemos viajar ao passado perfeito, encontraríamos outros insatisfeitos querendo rebobinar alguns séculos.
A viagem no "O Artista" dura duas horas e faz com que saiamos com uma sensação de deslocamento temporal. Algumas questões vão surgindo conforme vamos nos distanciando da sala de cinema: por que o preto e branco nos assusta tanto? Por que o silêncio nos incomoda? O que me impede de usar um bigode daquele jeito? Questões essas que são de uma profundidade filosófica imensa e demorarão algumas semanas para serem respondidas pela vida.
Freddie Mercury previu que o rádio voltaria a ter seus dias de glória, quando todo mundo se cansasse dessa agressão visual trazida pelos videoclipes. Os versos da música "Radio Ga Ga" não se concretizaram ainda, mas tivesse ele escrito a mesma idéia para o cinema o filme "O Artista" seria a confirmação da profecia. Naquele momento, naquele filme o cinema renasceu em glória, provando que é possível abrir mão de toda a tecnologia e só ficarmos com o principal: a arte.
quinta-feira, 22 de março de 2012
Assinar:
Postagens (Atom)