domingo, 29 de dezembro de 2013

Álbum de Família

Lamentei esses dias que perdi a conta de quanto tempo faz que não vejo um filme realmente chocante. Estava certo que nada me impressionou muito em 2013.

Hoje tive a oportunidade de me chocar mais uma vez com o cinema. Fico sabendo que esse filme veio de uma peça de Teatro e talvez parte da resposta esteja aí. Fui ao cinema atraído por Meryl Streep, sabendo somente que é um filme sério sobre o tema família e que ela não costuma errar muito em seus papéis. Sempre gosto quando a arte retrata temas familiares, pois a experiência de um escritor, músico ou roteirista nos é transferida de graça, adiantando talvez situações que daqui algumas décadas iremos passar.

A doença e os vícios da mãe, a morte trágica e inesperada do pai, o acerto de contas com o passado entre irmãos, as discussões e desacertos familiares, tudo isso é jogado na cara do espectador durante algumas horas com diálogos rasgados e intensos. Podemos sentir o calor daquele lugar, sem saber às vezes se vem das discussões ou da temperatura daquela cidade.

Um casa propositalmente escura, de modo a não diferir se é dia ou noite, procura parar o tempo para os personagens, talvez para esquecer do presente e viver de numa época em que as coisas funcionavam bem. Mas como já dizia Belchior: "no presente o corpo, a mente é diferente e o passado é uma roupa que não nos serve mais".

Muitas coisas iam vindo à minha mente a cada acusação entre os personagens. A justificativa da mãe para a dureza com que sempre tratou os filhos, o jogo de culpa pela morte trágica do pai, os segredos familiares revelados e todas aquelas situações complexas fizeram com que, sem perceber, eu enxergasse algumas cenas na história de minha própria família e, com algum medo, já começasse a imaginar como vou reagir quando o tempo me trouxer aquelas mesmas questões.

O filme rendeu muitas frases que vou guardar pra sempre, despertou o interesse de ler T.S. Eliot e conhecer algumas músicas de Eric Clapton que a mãe sempre coloca no toca-discos para surtar em paz.

Fui ao cinema para ver o álbum de uma família norte americana e descobri que, independente do país, da cultura e da época em que nascemos (onde não nos é permitido escolher) os dramas familiares são e sempre foram os mesmos. Voltei tendo a certeza que já tinha visto essas cenas (e outras ainda iria ver) em algum lugar da vida.

quinta-feira, 22 de março de 2012

O Artista

Ir ao cinema para ver um filme preto e branco e mudo, enquanto desembarcamos de um mundo tão colorido e barulhento parece uma provocação, mas, para quem se deixa transportar àquele universo tão distante e agradável, será improvável não sentir vontade de ficar mais uns dias por lá.

Para a geração Youtube, onde a duração máxima de um filme tem de ser dois minutos, o choque deve ser intenso. A constatação da estranheza causada pela proposta da película é a escassa quantidade de espectadores. Ao final dos trailers a sala é tomada por um silêncio ensurdecedor, como diria Nelson Rodrigues. "Seria esse o tal do silêncio que precede o esporro?", pensei na hora. Rappa e Nelson Rodrigues ao mesmo tempo. E o filme nem tinha começado.

Onde estão as cores? Os efeitos sonoros estrondosos? Os cortes rápidos de edição? A correria da câmera? Só temos o cinema à nossa frente. O cinema puro. Sem artifícios. Aquele que já tínhamos esquecido que um dia já existiu. Só a essência. Uma boa história enlatada na mais absoluta ausência de referencias modernas. É como se em pleno 2012 Spielberg, Almodôvar, Woddy Allen, Paul Haggis, Inarritú e até mesmo Michael Bay nunca tivessem existido e a contribuição deles para a sétima arte fosse completamente dispensável.

Talvez toda essa magia e reflexão proporcionada pelos anos 30 que o filme traz na mala seja uma ironia. O filme ganhou Oscar, o que levanta uma questão: por que essa reverência ao passado? Woddy Allen discute isso no filme "Meia Noite em Paris". O passado é sempre melhor que o presente e todos os habitantes do presente (principalmente os artistas ou metidos a artista) tem a mesma opinião. Se pudéssemos viajar ao passado perfeito, encontraríamos outros insatisfeitos querendo rebobinar alguns séculos.

A viagem no "O Artista" dura duas horas e faz com que saiamos com uma sensação de deslocamento temporal. Algumas questões vão surgindo conforme vamos nos distanciando da sala de cinema: por que o preto e branco nos assusta tanto? Por que o silêncio nos incomoda? O que me impede de usar um bigode daquele jeito? Questões essas que são de uma profundidade filosófica imensa e demorarão algumas semanas para serem respondidas pela vida.

Freddie Mercury previu que o rádio voltaria a ter seus dias de glória, quando todo mundo se cansasse dessa agressão visual trazida pelos videoclipes. Os versos da música "Radio Ga Ga" não se concretizaram ainda, mas tivesse ele escrito a mesma idéia para o cinema o filme "O Artista" seria a confirmação da profecia. Naquele momento, naquele filme o cinema renasceu em glória, provando que é possível abrir mão de toda a tecnologia e só ficarmos com o principal: a arte.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

A Suprema Felicidade


Esta noite somos todos cariocas. Somos todos brasileiros. Arnaldo Jabor vem me contar a história de um rapaz carioca vivendo no Rio de Janeiro pós-guerra. O que isso pode interessar para um rapaz que cresceu em tempos de paz, nos anos 90, no interior de São Paulo? Aqui não tem o Cabaré Eldorado, nem pão de Açucar, nem carnaval no meio da rua e muito menos praia. Mas tem seres humanos. Tem avós, tem bêbados, tem padres e também sonhos que não se realizaram. Me identifico com o filme.

Um mundo desabando enquanto o personagem cresce. As pessoas ladeira abaixo enquanto Paulinho (um nome comum para um cara comum), com o impulso da juventude, vai passando ileso a toda a loucura reinante. É possível ser são no meio de tanta insanidade? O país está maluco? Aquele bairro está maluco? Aquelas pessoas estão desequilibradas? Sim. É triste a constatação que um país só é louco se as pessoas são loucas. Então o olhar do cineasta, utilizando a câmera como microscópio, vai analisar a causa do país enfermo. E lá estamos nós. Sambando felizes no meio da praça.

Um pipoqueiro maníaco-sexual desbocado, que diante da TV e da Internet de hoje, seria tranquilamente um casto, um santo! Hoje a juventude com acesso liberado à qualquer tipo de pornografia, acharia graça dos meninos terem que se excitar com livros de medicina. O militar machista que provoca delírios de adultério em sua mulher ao não deixá-la trabalhar, a menina espírita, linda e louca diante de tanta morte cercando sua vida, o avô músico bom-vivant que está sempre vestido pra um baile, um amigo que não sabe se cruza a linha da homossexualidade e tantas outras vidas que não deram certo são mostradas nesse filme. Brasileiros. Eu. Você.

Somos todos Paulinhos hoje à noite. Conhecemos esses personagens. Conhecemos essas vidas que não decolaram. Essas casas, essas praças, esses discursos, essas histórias, esses pais e avós. Saio de lá pensando que o Brasil talvez nunca teve muito o que comemorar. Ainda não acontecemos. Mas por quê? Talvez ainda estejamos, como sociedade, aprendendo a pegar o compasso do samba da História.

domingo, 21 de março de 2010

Ilha do Medo


É interessante que justamente nessa semana, li numa Folha velha um artigo do Ferreira Gullar que, passou despercebido, mas depois notei que estava causando uma polêmica, com perdão da piada, insana. Cartas de repúdio no jornal, posts e debates na TV Brasil me fizeram parar pra prestar mais atenção ao tema.
O poeta ataca ferozmente a extinção das internações de doentes mentais em hospitais públicos. O artigo expôs o drama que é conviver entre pessoas nesse estado e da urgência em entender suas necessidades. Com tudo isso fervilhando na cabeça, caí de para-quedas na sala de cinema para assistir ao novo filme da dobradinha Scorsese/Di Caprio.

Cheguei alguns minutos atrasado sem saber sobre o que o filme tratava, só confiando minhas próximas horas de atenção a esses dois grandes artistas. Saí de lá perturbado. Com a mente em frangalhos. Me senti triturado por um liquidificador mental. A história de Teddy Daniels vai nos envolvendo durante todo o filme, para descobrirmos no final que nada é o que parece. Me lembrei na hora do filme "Sexto Sentido" e a reviravolta surpreendente que acontece no final. Também lembrei do "Bicho de Sete Cabeças", daquelas imagens revoltantes dos hospitais psiquiátricos, dos argumentos do Ferreira Gullar e dos defensores da Reforma Psiquiátrica Brasileira.

Estar durante algumas horas dentro da cabeça de um doente mental em tratamento é algo que nos faz refletir profundamente sobre o poder dos psiquiatras e a extensão da realidade. Se a realidade nada mais é do que a forma que o mundo é processado por nosso cérebro, médicos que tem o poder de manipular esse cérebro através de técnicas e medicações são os donos da realidade desses pacientes (prisioneiros?). E não há como negar que, dentro da loucura de cada um de nós, a realidade sempre será subjetiva.

terça-feira, 3 de março de 2009

O dia em que a terra parou

Keanu Reeves, Keanu Reeves. O que você está fazendo da sua vida? Tipo o refrão da música do Renato Russo, Dado Viciado: "Dado, Dado, Dado, o que fizeram com você?".

Um filme esquecível no currículo do ator. Claro que todo mundo tem o direito de
pisar na bola durante a carreira. Até Elvis já fez isso, mas no caso do Keanu Reeves que chegou naquele ponto do caminhada em que pode escolher seus papéis, a presença dele nessa produção levanta um questionamento angustiado: "Mas, por quê, Deus misericordioso?".

Keanu Reeves, nesse filme, é um alienígena que vem à Terra para fazer um apanhado geral de algumas espécimes e dar no pé enquanto tudo vira pó. Sim, o nosso Noé é um cara poderoso e tem o destino da humanidade nas mãos, mas, estranhamente, precisa da ajuda de uma mulher humana, ridícula, limitada, que só usa dez por cento de sua cabeça animal para a empreitada.

É uma mistura de Independence Day com Arca de Noé e uma pitadinha de Sodoma e Gomorra. A impressão que dá é que as últimas histórias originais sobre o fim do mundo estão todas na Bíblia, já que todo filme do gênero tem historietas, fatos e heróis com tramas inspiradas (copiadas) das catastróficas passagens do Livro Santo.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Última Parada 174

O diretor Bruno Barreto se apoiou numa história real para contar uma ficção. Pegou o público desprevenido. A história de Sandro do Nascimento, no imaginário popular brasileiro como protagonista de mais uma de nossas tragédias recentes merecia ser contada, mas não fantasiada. Fui ao cinema esperando que o filme respondesse a algumas perguntas. O filme respondeu, mas depois fico sabendo que a maior parte das coisas que vi lá é uma ótima ficção, criada pela cabeça do roteirista Braulio Mantovani.

Acreditei, ao ler as entrevistas do diretor, que o filme mostraria um outro ponto de vista ou outras histórias além do documentário "Ônibus 174" do José Padilha, diretor de Tropa de Elite. Bruno Barreto diz que o documentário do Padilha o instigou a filmar o Última Parada. O documentário do Padilha também me instigou a ver o filme do Bruno.

O filme é ótimo, mas receio que fui enganado porque 90% do meu interesse foi ver uma história real e conhecer mais de perto seus personagens. Agora não sei se as histórias que me tocaram aconteceram realmente ou não, impedindo assim que eu possa tirar alguma conclusão do acontecimento.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Capote

Entender um artista, suas mutações, suas loucuras e sua complexidade não é fácil. Assistir o filme "Capote" também não. Somos levados para dentro da cabeça desse personagem real que, na esteira do sucesso como escritor, tem a atenção chamada por uma dupla de criminosos que cometeram um brutal assassinato numa pequena cidade do Kansas.

Ele pega suas coisas e se muda para a cidade a fim de entrevistar os assassinos. O pior é que acaba desenvolvendo laços com os bandidos. Laços quase que afetivos. Conforme o escritor vai entrando na vida dos criminosos, vamos percebendo dois seres humanos e numa determinada altura não sabemos mais se continuamos a condená-los ou não. Perturbador!

A entrevista rende um livro e um questinamento: é ético ou não se apoderar da história das pessoas e ganhar dinheiro em cima delas? Será Capote um guardião da memória desses dois assassinos ou um usurpador?

Estou completamente convencido que Philip Seymour Hoffman, depois desse filme, entrou para a lista dos atores mais geniais que já tive a oportunidade de ver atuando. De uma figura pesada, lenta e de voz grossa, ele se transforma num homossexual leve e delicado. Coisas que só um grande ator conseguiria: se tornar completamente outro, sem deixar rastros de si mesmo.