terça-feira, 2 de novembro de 2010
A Suprema Felicidade
Esta noite somos todos cariocas. Somos todos brasileiros. Arnaldo Jabor vem me contar a história de um rapaz carioca vivendo no Rio de Janeiro pós-guerra. O que isso pode interessar para um rapaz que cresceu em tempos de paz, nos anos 90, no interior de São Paulo? Aqui não tem o Cabaré Eldorado, nem pão de Açucar, nem carnaval no meio da rua e muito menos praia. Mas tem seres humanos. Tem avós, tem bêbados, tem padres e também sonhos que não se realizaram. Me identifico com o filme.
Um mundo desabando enquanto o personagem cresce. As pessoas ladeira abaixo enquanto Paulinho (um nome comum para um cara comum), com o impulso da juventude, vai passando ileso a toda a loucura reinante. É possível ser são no meio de tanta insanidade? O país está maluco? Aquele bairro está maluco? Aquelas pessoas estão desequilibradas? Sim. É triste a constatação que um país só é louco se as pessoas são loucas. Então o olhar do cineasta, utilizando a câmera como microscópio, vai analisar a causa do país enfermo. E lá estamos nós. Sambando felizes no meio da praça.
Um pipoqueiro maníaco-sexual desbocado, que diante da TV e da Internet de hoje, seria tranquilamente um casto, um santo! Hoje a juventude com acesso liberado à qualquer tipo de pornografia, acharia graça dos meninos terem que se excitar com livros de medicina. O militar machista que provoca delírios de adultério em sua mulher ao não deixá-la trabalhar, a menina espírita, linda e louca diante de tanta morte cercando sua vida, o avô músico bom-vivant que está sempre vestido pra um baile, um amigo que não sabe se cruza a linha da homossexualidade e tantas outras vidas que não deram certo são mostradas nesse filme. Brasileiros. Eu. Você.
Somos todos Paulinhos hoje à noite. Conhecemos esses personagens. Conhecemos essas vidas que não decolaram. Essas casas, essas praças, esses discursos, essas histórias, esses pais e avós. Saio de lá pensando que o Brasil talvez nunca teve muito o que comemorar. Ainda não acontecemos. Mas por quê? Talvez ainda estejamos, como sociedade, aprendendo a pegar o compasso do samba da História.
domingo, 21 de março de 2010
Ilha do Medo
É interessante que justamente nessa semana, li numa Folha velha um artigo do Ferreira Gullar que, passou despercebido, mas depois notei que estava causando uma polêmica, com perdão da piada, insana. Cartas de repúdio no jornal, posts e debates na TV Brasil me fizeram parar pra prestar mais atenção ao tema.
O poeta ataca ferozmente a extinção das internações de doentes mentais em hospitais públicos. O artigo expôs o drama que é conviver entre pessoas nesse estado e da urgência em entender suas necessidades. Com tudo isso fervilhando na cabeça, caí de para-quedas na sala de cinema para assistir ao novo filme da dobradinha Scorsese/Di Caprio.
Cheguei alguns minutos atrasado sem saber sobre o que o filme tratava, só confiando minhas próximas horas de atenção a esses dois grandes artistas. Saí de lá perturbado. Com a mente em frangalhos. Me senti triturado por um liquidificador mental. A história de Teddy Daniels vai nos envolvendo durante todo o filme, para descobrirmos no final que nada é o que parece. Me lembrei na hora do filme "Sexto Sentido" e a reviravolta surpreendente que acontece no final. Também lembrei do "Bicho de Sete Cabeças", daquelas imagens revoltantes dos hospitais psiquiátricos, dos argumentos do Ferreira Gullar e dos defensores da Reforma Psiquiátrica Brasileira.
Estar durante algumas horas dentro da cabeça de um doente mental em tratamento é algo que nos faz refletir profundamente sobre o poder dos psiquiatras e a extensão da realidade. Se a realidade nada mais é do que a forma que o mundo é processado por nosso cérebro, médicos que tem o poder de manipular esse cérebro através de técnicas e medicações são os donos da realidade desses pacientes (prisioneiros?). E não há como negar que, dentro da loucura de cada um de nós, a realidade sempre será subjetiva.
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